Editorial

Posted by Carolina Sotero | Posted in | Posted on 10:30

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“Uma história pode mudar o seu jeito de ver o mundo”. A frase faz parte do projeto do Museu da Pessoa, uma organização sem fins lucrativos, que tenta, através da divulgação de biografias, colaborar na transformação social. Mas tem tudo haver com esta reportagem. As histórias aqui contadas foram, antes de tudo, um encontro com a realidade de vida de pessoas comuns.

Foi depois que aprendi a andar de ônibus que comecei a observar pessoas, afinal de contas, não há melhor lugar para isso. Não sei explicar exatamente como acontecia, mas impulsionada pela curiosidade, eu deixava a paisagem da janela e os pensamentos da minha vida de lado. E começava a tentar adivinhar como era a vida dos outros. Uma espécie de entrevista em silêncio. “Qual o nome? Por que se veste assim? Será que mora em Recife? Será que tem filhos? Para onde está indo? O que vai fazer? “O que pensou quando colocou essa sandália? Deve ter alguma história”.

Certa vez foi um velhinho. Magro, bem vestido, óculos de lentes graúdas, cara de poeta. Procurei coragem para bater um papo. Não achei. Então apenas sentei ao seu lado. E ele mesmo começou “você sabe onde é a Rua Comendador José alguma coisa?”. “José Didier? Eu estudei por lá”, respondi e expliquei onde ficava. Procurei mais coragem para uma pergunta, tive medo de ser indiscreta. Ele não. E começou a contar que precisava ir lá porque vendia camisas na Feirinha de Boa Viagem, já tinha ido ao Centro e ainda ia trabalhar vendendo à noite. Não reclamava, apenas estava alegre por ser um velho trabalhador.

Trabalhador pode ser a palavra chave desta reportagem. Este foi um dos critérios na hora da entrevista. Há vários focos de heroísmo que poderiam ser abordados. Mas neste caso, preferir chamar de heróis os trabalhadores do nosso cotidiano. E esta foi a saga que vivi desde o começo do ano. Andei atrás de pessoas, gastei sapatos, energia e horas caminhando para encontrar boas histórias. Levei comigo ouvidos dispostos, algumas perguntas e um bom gravador. Entrevistei motoristas de ônibus, cobradores. Visitei alojamento de garis, uma parteira, uma empregada doméstica que virou professora, depois um servente de limpeza. Fui atrás de seguranças que trabalham de madrugada. Poucas histórias couberam no formato.

Falar com trabalhadores não foi difícil. Pelo menos nas oito horas da jornada, eles ficam sempre em lugares determinados. E minhas perguntas soavam muito mais como atenção do que indiscrição. Bastava só uma perguntinha de nada, para soltarem o verbo e falar das insatisfações, da família e dos sonhos para o futuro. Uma entrevista na hora do trabalho era, para eles, como uma conversa que ajuda o tempo passar, ou quem sabe, uns minutinhos para descansar as pernas.

Atrás de boas histórias, encontrei foi boas pessoas. Fui surpreendida pela simplicidade, pelo comum. Todos meus entrevistados são indivíduos comuns, que tem traumas, alguns sofrimentos, uma conta pra pagar, algum parente morto, um problema pra resolver, sorriso no rosto, sem muita beleza. E foi nesse “banal” todo que achei motivo e inspiração para falar dos nossos heróis de cada dia, que são heróicos não somente por suportar formas de exclusão, mas simplesmente por serem seres humanos com uma história. História diferente da minha, mas como a minha, que merece ser ouvida e contada. Descobri, na prática, que na literatura – e por que não no jornalismo? - para ser herói basta ser o protagonista de uma história bem contata.

Boa Leitura!

Carolina Sotero